O amante de Lady Chatterley
O que mais pode-se comentar de um clássico que a maioria dos meus leitores já tiveram em mãos? Bem, mesmo sabendo disso, e abusando de minha ousadia, compartilho com vocês algumas possíveis obveidades mas também uma reflexão que me parece relevante.
Sempre quis saber o porquê de certas obras serem clássicos, serem atemporais e a o mesmo tempo, o porquê de algumas pessoas focarem certas leituras e também suas versões para cinema , teatro ou televisão, exatamente da forma que não deveriam ou que empobrecem a obra em si.
Outra coisa: propus-me, além de estudar para “n” concursos, preencher as madrugadas insones com o projeto “Releia aos 40 e tantos o que você leu aos 20 e poucos” e tenho ficado supreendido com o resultado.
“O amante de Lady Chatterley” foi um daqueles livros que só faltaram serem queimados na fogueira (se é que não foram) , tendo a sua publicação proibida na Inglaterra. Sempre que isso acontece pergunta-se o porquê e tenta-se entendê-lo no contexto de uma pretensa liberdade que de fato nunca foi, é ou será real.
“O amante…” e Lawrence por extensão, foram perseguidos porque colocam o dedo fundo na ferida da sociedade inglesa, do capitalismo, fazendo uma crítica feroz de uma sociedade pútrida e de uma estrutura social inadaptada aos tempos que corriam, preconceituosa, falsa, hipócrita e que se movia ao sabor da moralidade tacanha e das conveniências.
Talvez Clifford seja o símbolo dessa decadência, o amargo inglês, paralítico e impotente que me parece um digno representante do estamento social que representa. Um ser que apenas resumiu sua existência à posse de uma mulher , Constance e a missão de ganhar dinheiro.
Constance é uma mulher fora de seu tempo, no sentido que intelectualizou-se e vivenciou coisas pouco próprias da mulher sua contemporânea. Permitiu-se, sem qualquer auto-censura, buscar a satisfação quando lhe faltou mesmo que constantemente vivesse com um “pé em cada canoa”: ao mesmo tempo que amava Mellor, inquestionavelmente, por muito tempo “operou” na perspectiva de manter o clã de Clifford, missão da qual abriu mão à medida que percebeu-se jogando um jogo que não poderia ser ganho.
Nessa dinâmica, a sociedade inglesa do pós primeira guerra , ou seja, dos chamados “anos loucos” foi cruelmente esmiuçada em todos os seus vícios, misérias e , como já disse, decadência.
Também é importante notar que nesse livro faz-se uma prospecção que se confirmou e segue confirmando-se sobre o capitalismo, um ente gerador de insatisfações, de falsidades e de ambição desmedida.
A solução que ele eventualmente aponte, ou seja, o socialismo, infelizmente não mostrou-se satisfatório e muito menos cumpridor da emancipação proposta ao operariado que o livro desenha.
Ler “O Amante de Lady Chatterley”, portanto, é fazer um exercício de reflexão que poucos, chamados pela eventual licenciosidade das cenas de sexo, não se propõe a fazê-lo.
Não foram apenas essas cenas que granjearam a proibição de sua publicação mas , ao meu ver, a crueza da verdade jogada ao rosto de quem não propõem-se a vê-la.
Aliás, desconheço sociedade que não se incomode quando as verdades lhe são jogadas ao rosto. Uma leitura obrigatória!
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