Maria Bethânia e Omara Portuondo lançam CD e DVD
Como Drummond, as duas meninas cantam canções que ‘façam acordar os homens e adormecer as crianças’, sejam elas crianças grandes ou pequenas. “Você tem razão quando faz essa comparação. E tudo começou de forma muito natural. Estávamos iniciando a gravação e Omara cantou uma canção de ninar muito antiga. E ela a canta ainda hoje para seu filho Ariel, que é um rapaz enorme! Na mesma hora, pensei: ‘Também vou ninar este menino grande. E a canção (Menino Grande, de Antonio Maria), entrou para o disco”, conta Bethânia que, ao contrário de Omara, exibe sempre seus cabelos longos soltíssimos e orgulhosos de começarem a ganhar a coloração branca, o rosto límpido e expressivo, mas as mesmas mãos (e voz) tão expressivas e altivas. “Os ensaios estão indo muito bem. Mas estamos com pouco tempo. Ela (Omara) tem tanta facilidade. Eu não gosto de cantar em outra língua, mas em espanhol, em reverência a ela, abri uma exceção. É mais caseiro”, conta Bethânia. “Fico com vergonha. Mas a canção que escolhi, Para Cantarle a Mi Amor, tem um tempo especial, com palavras suaves. Nunca pretendi, e acho careta, falar outra língua com perfeição. Eu sou brasileira cantando em espanhol. Ela é uma cubana cantando em português. Sotaque é lindo”, acrescenta. Omara discorda: “Ela é perfeita! Mais que eu. Canto com o coração e faço de conta que entendo.”
Por isso, chavões à parte, seja em português ou espanhol, samba ou bolero, a música é caminho mais curto e mais instintivo de se, ao menos tentar, explicar a identidade de um povo? “Definitivamente! Cuba e Brasil têm a mesma raiz histórica. Fomos países colonizados. Aqui, os portugueses trouxeram os negros. Em Cuba, foram os espanhóis. Mas eram negros da mesma região. Até mesmo o iorubá nós falamos. Nossa santería é o candomblé de vocês. Temos nossas diferenças, mas a música flui para os cubanos como flui para os brasileiros”, sentencia ‘la novia del filin’ (A noiva do feeling (sentimento), como ela ficou famosa nos anos 50, ao se apresentar no rádio cantando uma espécie de versão cubana da bossa nova, que era chamado de feeling). Eternamente comprometida com o sentimento do mundo, Omara deixa os olhos se encherem d’água e se arrepia quando ouve Bethânia: “No Brasil, toda arte é representativa de nosso caráter. Mas a música é maior. É como perfume. Vai… A linguagem mais abstrata que há. Não é preciso entender a língua para se entender. Viaja pelos sentidos.”
E são esses sentidos que as duas meninas grandes despertam no CD e no DVD que o acompanha. A chita, o tecido básico, ancestral e, ao mesmo tempo, colorido e rico, recheia o encarte, que conta ainda com imagens de Cuba (retiradas do livro Sí por Cuba, de Tatiana Altberg). O DVD traz um making of dirigido por Bruno Natal, que coloca o espectador dentro do estúdio de gravação, quase como se discutisse com as cantoras e seus músicos se Só Vendo Que Beleza (Marambaia) deve entrar com mais ou menos imponência. Menos é mais nessa brincadeira de gente grande. Os silêncios falam pelas melodias suaves, porém fortes.
Fidel
Depois da maratona de entrevistas, dona Omara, compreensivamente, não suportava mais falar de Fidel Castro, mas ouviu pacientemente e se posicionou sobre a sucessão do líder cubano. “Soube da renúncia dele aqui no Brasil. É compreensível. Está muito cansado. Dedicou sua vida a Cuba. Sua família sempre foi o povo cubano. Espero que quando eu voltar (só daqui a meses, quando encerrar a turnê) encontre a mesma Cuba. Mudanças virão, mas quero meu país de sempre.” E cantar juntas em Cuba? “Ainda não há nada certo. Seria a coroação!” Amém! Que as duas levem o perfume de suas canções para ninar, e também acordar, crianças e homens cubanos.
A repórter viajou a convite da gravadora
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